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quarta-feira, 12 de agosto de 2015

DEMOLIDOR- UMA ANÁLISE SOBRE O TRABALHO DE ANN NOCENTI E JOHN ROMITA JR

A trajetória de um super-herói nos quadrinhos normalmente é dividida em fases, permanência de um roteirista ou alguma saga marcante, neste caso específico irei falar de uma fase do Demolidor pós “Queda de Murdock”, o período em que Ann Nocenti assumiu o roteiro das histórias do Homem sem Medo, o que não foi uma tarefa das mais fáceis, Miller e Mazzuchelli haviam acabado de produzir a história definitiva na carreira do Demolidor, imagina o desafio que esta jovem editora teve em suas mãos. Uma tremenda de uma batata quente!
Ela assume a revista a partir da edição 236 de Daredevil e lá ficou até o número 292, totalizando 56 edições, aproximadamente 4 anos e meio. Um bom tempo para se trabalhar um personagem, concordam?
E como ela se saiu? Qual o legado que deixou na trajetória do protetor da Cozinha do Inferno? Sua passagem pelo personagem se analisada hoje ainda é relevante ou atual? Então... vamos lá.
Ann Nocenti começa exatamente do mesmo ponto onde Miller terminara sua obra, um Matt Murdock recomeçando do zero, morando num apê bem modesto ao lado de Karen Page e sem sua licença para advogar. Mas apesar disso, Murdock cria uma espécie de “ONG” onde presta consultoria jurídica gratuita para os moradores da Cozinha, e um dos seus primeiros casos e que se tornaria o fio condutor para suas primeiras histórias seria o caso das Indústrias Kelco (umas das indústrias de fachada de Wilson Fisk) que era acusada de contaminar o meio ambiente com resíduos tóxicos que causaram cegueira num garoto morador da Cozinha do Inferno. Na década de 80 já se mostrava uma história em que se atentava para a questão ecológica e de uma economia sustentável, ao mesmo tempo em que a as grandes corporações usavam sua influência para corromper o sistema jurídico! Isso soa atual? Sim e ponto para Ann Nocenti! No decorrer das histórias podemos ver Matt Murdock se frustrando com o sistema jurídico que ele tanto ama, abordagem interessante para o advogado cego.
Bom, eu citei que a indústria Kelco era uma das empresas de fachada de Wilson Fisk, né? Bom, como era de se esperar nesse início de trabalho com o Demolidor, Ann foca num Fisk ainda obcecado em tentar destruir a vida de Murdock, e se tirar sua licença para advogar, seus bens e afastá-lo de seu melhor amigo não foi o bastante para derrotar o Homem sem Medo, Fisk decide tentar uma nova abordagem: atacá-lo pelo coração, ou seja usar uma fêmea fatalle como isca! E eis que surge uma nova vilã na galeria do Homem sem Medo: Mary Tyffoid! Mary é uma mulher que sofre de graves problemas mentais, assumindo 2 personalidades: como a tímida e meiga Mary Walker (que irá seduzir Matt Murdock) e como Tyfoid uma assassina e mercenária (uma segunda Elektra????). Ela possui poderes psiônicos,incluindo telecinésia leve e forte pirocinese, e com esta personalidade irá enfrentar o demolidor nas ruas da Cozinha. Ao descobrir sobre os “talentos” de Mary, Wilson Fisk a recruta para que possa destruir Murdock. E aqui ocorre um paradoxo interessante: com Tyfoid ela é amante de Fisk e como Mary amante de Matt.



Paralelamente a esses acontecimentos o Demolidor vai conquistando alguns desafetos ao patrulhar as ruas da Cozinha do Inferno, e Ann Nocenti cria uma galeria de vilões de primeira, segunda e terceira categoria: entre eles o Guerrilheiro e Bullet (personagens muito interessantes), o Balaço (um líder de uma gangue de vândalos) e os dois porra loucas do bairro.Com exceção de Bullet ( que era um agente do Governo que fazia todo o tipo de trabalho sujo) o Demolidor havia derrotado e humilhado todos eles, que se encontravam sedentos por uma vingança.
Tyfoid então arquiteta seu plano para destruir o Demolidor, ela recruta todos esses desafetos e orquestra uma ofensiva ao Demolidor, um por um eles atacam o Demolidor sem descanso, que não tem a menor chance contra esse pequeno exército sedento por sangue. (a história publicada em Daredevil 260 é pancadaria do início ao fim!). Derrotado, humilhado ele é deixado quase morto na sarjeta, onde é levado a um hospital, e lá Karen Page toma conhecimento da traição de Matt ao ver que Mary lá se encontrava velando pelo Herói. Novamente Murdock perde o pouco que ele tinha, o amor de sua mulher e a esperança de dias melhores.
Eu considero essa fase uma “segunda Queda de Murdock”, não quero comparar aqui o trabalho dela com o de Miller, mas pode ser sim considerada uma extensão do trabalho de Fisk, aqui ele tenta terminar o que começou na “Queda”. E momentaneamente ele consegue, após isso Murdock abandona a cidade e começa a vagar sem rumo pelo país. Aqui eu também gosto de considerar como a primeira “fase” da trajetória de Ann no Demolidor. E também a melhor, pois a partir do momento que Matt se torna um ser errante, Ann introduz vários elementos não muito comuns na carreira do Herói. Mefisto o persegue, aproveitando a forte fé católica que Matt possui, para fazer com que ele possa sofrer com profundas crises de remorso (afinal ele cometera adultério) e a todo instante o ser das Trevas aproveita a oportunidade para questionar a fé católica de um homem que se veste de Demônio !?!
Outra coisa incomum, foi a mudança de cenário, da grande cidade, Matt agora circula por pequenas cidades do interior e até cenários rurais, como uma fazenda. E continuando esse quadro, digamos diferente, Ann adiciona 2 personagens nada convencionais no mundo do Demolidor, 2 inumanos. Pra completar o grupo, uma feminista reacionária, uma androide subserviente ao sexo masculino se juntam à nova trupe do Herói cego; e confrontos com Ultron e com o Coração Negro (filho de Mefisto, criação de Nocenti!) completam esse caldeirão minimamente bizarro na trajetória do Demolidor, por isso considero essa como uma segunda fase, e como disse anteriormente inferior à suas primeiras histórias.



Partindo agora para a parte estética das histórias, aqui encontramos uma parceria memorável e longa com o ilustrador John Romita Junior, onde ele traçou seu próprio estilo, se diferenciando e muito do seu pai, e esse estilo ele mantém até hoje, despertando amor ou ódio nos leitores. Eu faço parte do primeiro time, sou muito fã da sua arte. Romita mostra uma Cozinha com muitos becos sujos e escuros, suas cenas de ação são sempre grandiosas, várias vezes com uma página inteira ou até dupla ao ilustrar um combate. Gostaria muito mesmo de rever essas histórias num encadernado de luxo.
Passados todos esses anos, e analisando o trabalho como um todo, minha opinião é que o saldo foi positivo, não chega a ser um trabalho extraordinário (algo assim só com o arco Diabo da Guarda, vários anos depois), mas muito agradável de se ler e principalmente por contar com a arte de Romita. Uma coisa interessante: Ann criou bons vilões para o Demolidor,mas que não foram usados como deveriam pelos roteiristas posteriores: Tyfoid ainda é usada alguma vezes, Bullet ( na minha opinião um vilão muito, muito legal) caiu num ostracismo total e o Guerrilheiro só vi aparecer em algumas passagens pelo Justiceiro, uma pena.




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